Dominique Anract, um padeiro de Paris, vende cerca de 1.500 baguetes por dia, mas a maior parte delas ele próprio não comeria.
A esmagadora maioria dos seus clientes, diz ele, escolhe as baguetes mais brancas dentre as que estão expostas, as menos assadas. Então, ele e sua equipe tiram 90% dos pães do forno antes de eles estarem prontos.
“Se fosse para mim, nós os manteríamos mais dois ou três minutos [no forno]”, diz. “Mas essa não é uma decisão minha — é dos clientes.”
Um dos grandes símbolos da gastronomia francesa está ameaçado. Reconhecida
pela sua forma característica e exterior crocante, a baguete corre o risco de também se tornar conhecida por algo mais: ser mal cozida e mole.
Rémi Heluin, criador do Painrisien, um blog sobre as padarias parisienses, estima que 80% das 230 lojas que avaliou assam pouco a maioria de suas baguetes. “Elas têm que manter os clientes satisfeitos”, diz ele.
Os fregueses têm vários motivos para justificar a preferência — e eles não são necessariamente sem sentido. Para Camille Oger, uma repórter freelance de 30 anos, comer uma baguete bem assada pode ser uma experiência dolorosa. “É dura de mastigar”, diz ela, “e machuca a gengiva e o céu da boca”. Os pães menos assados “não quebram seu dente”, acrescenta.
Pura Garcia, uma aposentada que frequenta regularmente a padaria de Anract, diz que as baguetes mais morenas ficam velhas rápido demais. “Se você não a come em uma hora, ela fica parecendo do dia anterior”, diz. Vários outros clientes dizem que pedem por “baguetes brancas” porque seu sabor fica melhor quando a esquentam em casa.
A mudança no gosto do público provocou alguma indignação num país que é tão associado a esse tipo de pão fino e alongado.
“A crosta é a marca registrada do pão francês”, diz Jean-Philippe de Tonnac, um escritor francês e entusiasta de pães. “Não vai ser tão bom se não for bem assado.”
Steven Kaplan, professor de história da Universidade Cornell e autor de vários livros sobre o pão francês, diz que a textura e o sabor peculiares da baguete são fruto de uma reação química — o chamado efeito Maillard — que ocorre no processo final do cozimento. Sem ela, a baguete nada mais é do que uma massa sem gosto, que, às vezes, ao contrário do esperado, pode ser difícil de mastigar.
“A baguete está gradualmente se transformando em outra coisa”, diz Kaplan. “Eu estou vendo morrer, diante dos meus olhos, um dos grandes patrimônios nacionais da França.”
Os padeiros dizem que o tempo de cozimento adequado permite uma troca de sabor entre o miolo do pão e a crosta e cria o equilíbrio perfeito que torna a baguete tão especial: a crosta crocante e dourada envolvendo um miolo macio e arejado.
Embora o consumo de pão na França tenha diminuído desde 1950, ele ainda é um alimento básico. Muitas pessoas comem pão na maioria das refeições, usando-o com uma extensão do garfo e da faca para empurrar a comida no prato. O centro de pesquisa francês Crédoc concluiu que 98% dos franceses comem pão diariamente.
Eles são particularmente fãs da baguete, que responde por cerca de 75% de todos os pães consumidos no país, segundo o Observatório Nacional de Pães da França, que estuda o promove pães.
Apesar de seu honroso status, o onipresente pão não é sequer centenário.
A baguete como a conhecemos hoje tem origem nos anos 20 e era um subproduto de uma lei trabalhista que impedia os padeiros de trabalharem entre dez da noite e quatro da manhã. Isso tornava impossível preparar os tradicionais pães redondos a tempo para o café da manhã. Os padeiros tiveram então que se voltar para um novo tipo de pão, cujo formato fino permitia que ele fosse mais fácil de preparar e assar. A baguete, que em francês se escreve com um “t” a mais e significa “bastão fino”, rapidamente se tornou essencial no café da manhã em todo o país.
Nos últimos anos, os padeiros artesanais tiveram que se adaptar diante da crescente concorrência das empresas alimentícias e supermercados, que podem vender baguetes por um terço do preço que eles cobram. Em uma iniciativa para proteger a indústria, uma lei francesa determina quais ingredientes podem ser usados para preparar essas baguetes (basicamente farinha de trigo, água, sal e fermento) e limita o uso do termo boulangerie — ou padaria — aos estabelecimentos que preparam os pães de acordo com essas premissas.
Mas a lei não se aplica a um ponto crítico: por quanto tempo a baguete tem que ficar no forno.
Embora o tempo de cozimento possa ser influenciado por questões como o clima e a umidade, os padeiros concordam que a baguete típica precisa de 20 a 25 minutos de cozimento para ficar pronta. Kaplan diz que desconfia dos pães pálidos, sem vida, que vê em muitas padarias parisienses.
Comer a baguete mal assada pode ter efeitos colaterais, segundo especialistas. Laurence Sailliet, uma nutricionista de Paris, diz que comer um pão quente e mal cozido pode causar azia e flatulência, em parte porque seu miolo não está arejado o suficiente para que as enzimas digestivas penetrem de forma efetiva durante a mastigação. O miolo grosso e grudento se parece um pouco com uma goma de mascar, diz ela, “mas a diferença é que você não engole a goma”.
O padeiro Anract diz que sabe que alguns minutos a mais no forno deixariam as baguetes com a crosta ideal, mas que não quer correr o risco de desagradar seus clientes. “As pessoas entram e saem da padaria em questão de segundos — na verdade você não tem tempo para dar a elas uma palestra”, diz.
Alguns padeiros, porém, estão dispostos.
Franck Debieu, que dirige uma padaria em Sceaux, uma pequena cidade ao sul de Paris, tenta estar no seu estabelecimento o maior tempo possível para gentilmente persuadir sua clientela a levar para casa uma baguete mais dourada. Sua equipe de vendas, que sempre conta com um padeiro no balcão, é treinada para lidar com os pedidos de baguetes “brancas”, normalmente oferecendo aos clientes um pão bem cozido para experimentarem.
Debieu diz que seus colegas que preparam baguetes mal assadas estão delirando. “O cliente não sabe o que é melhor […] É um dever do padeiro ensiná-lo.”
(Colaborou Marion Issard.)
Fonte: The Wall Street Journal
Por: David Marcelis