A multiplicação de cafeterias no Brasil contribui para um novo hábito: degustar café fora de casa em estabelecimentos especializados. Hoje praticamente todas as regiões cafeeiras do Brasil produzem grãos especiais, como Cerrado, Zona da Mata e Sul de Minas Gerais, Serra do Espírito Santo, Bahia, São Paulo e Paraná. Mas, em se tratando de cafés especiais, Minas Gerais ganha destaque com cerca de 65% da produção brasileira.
Premiação – Um exemplo dessa mudança no mercado foi o leilão de lotes de cafés premiados pelo 2º Concurso de Qualidade Cup of Excellence Natural Late Harvest, realizado em março deste ano pela Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) em Minas Gerais que gerou faturamento de US$ 401 mil. O preço médio da saca de 60 quilos alcançou R$ 1,64 mil, valor bem superior aos R$ 320 pagos pelo mesmo volume do grão arábica comum, o que deve incentivar cada vez mais investimentos na melhoria do café produzido em Minas e em outros estados.“Que o Brasil há muitos anos produz cafés de qualidade excepcional e variada não é novidade, inclusive pela sua diversidade de climas, altitudes e tipos de solo. O fato novo é que o nosso País tem conseguido galgar cada vez mais mercado, impulsionado pelo crescente movimento rumo à diferenciação do produto, devido às novas exigências do mercado externo e interno. Essa tendência é irreversível e cresce em ritmo acelerado, trazendo novas oportunidades de negócios no País e no exterior”, diz o professor Flávio Borém, da Universidade Federal de Lavras – Ufla, instituição participante do Consórcio Pesquisa Café, cujo programa de pesquisa é coordenado pela Embrapa Café.
O produtor Arthur Queiroz, da Fazenda Santa Quitéria, em Cambuquira (MG), foi um dos participantes do concurso da BSCA. Dos cinco lotes de café que inscreveu, três deles chegaram à fase internacional. Arthur prevê que três quartos da produção dessa safra seja de cafés especiais. Ricardo Iabrudi, de Três Corações (MG), também é referência na produção de cafés especiais. Ele venceu o Concurso da Cooperativa dos Cafeicultores da Zona de Varginha – Minasul na categoria Cereja Descascado e foi 3º colocado na categoria Café Natural. A Minasul mandou este ano para Portland, em Nova Jersey, Estados Unidos, mais de 600 sacas de café dos finalistas do 20º Concurso Qualidade Minasul de Café na categoria Cereja Descascado e Café Natural, realizado em 2012. Muitos outros exemplos poderiam ser citados.
É o caso de Jesimar de Oliveira Sandi, proprietário do Sítio São Joaquim, no município de Conceição das Pedras, região Sul de Minas Gerais, que produziu o melhor café natural do Brasil na safra 2012, sagrando-se campeão do 2º Concurso de Qualidade Cafés do Brasil Cup of Excellence Natural Late Harvest com a nota 92,13 pontos (escala de 0 a 100). A segunda e a terceira posições ficaram, respectivamente, com os cafés de Amauri Dias de Castro, da Fazenda São José, localizada na cidade de Jesuânia (MG), com a nota 90,30, e José Flávio Ferraz Reis, proprietário da Fazenda JR (Junqueira Reis), em Carmo de Minas (MG), com 90,20 pontos, segundo a avaliação do júri internacional do concurso.
A maioria das propriedades premiadas se localizam no Sul de Minas, em altitudes superiores a 1000 metros. O engenheiro agrônomo da Minasul Adriano Rabelo explica que o plantio é feito de novembro a fevereiro e a colheita é realizada de maio a setembro. O processamento é feito por via úmida, no caso do café cereja descascado, e por via seca, no caso do café natural. O café é colhido, lavado e pode ser descascado ou não. Logo em seguida, vai para o terreiro, onde é feita a meia seca, antes de ir para o secador (a 11 % de umidade). O café fica pelo menos dez dias nas tulhas de descanso para depois ser enviado aos armazéns das cooperativas.
Tecnologias a serviço da qualidade – Na busca de qualidade, existem regras fundamentais a serem observadas. Em 2012, o professor Flávio Borém ministrou curso intensivo para produtores sobre colheita e processamento. Flávio ensina que, para produzir cafés especiais, é importante colher e processar os frutos de acordo com a cultivar e com as condições ambientais de cultivo. “Além disso, de acordo com resultados recentes de estudos do Consórcio Pesquisa Café, concluímos que, na hora da secagem, os limites de temperatura e a taxa de secagem precisam ser respeitados, principalmente na produção de cafés naturais especiais”, observou o professor.
A adubação fosfatada é outra tecnologia amplamente difundida na região e que foi desenvolvida pela Embrapa Cerrados, instituição participante do Consórcio Pesquisa Café. A técnica é, em geral, utilizada em conjunto com a irrigação e contribui para expressivo aumento de produtividade, mais energia, vigor e sanidade das plantas. A adição do fósforo traz benefícios para a planta tanto em solos de média a alta fertilidade como também em solos de baixa fertilidade, como os do Cerrado, onde a planta responde com grande intensidade. Para saber mais, leia matéria em http://www.sapc.embrapa.br/index.php/ultimas-noticias/tecnologias-inovadoras-permitem-expansao-da-cafeicultura-nas-regioes-de-cerrado.
Há ainda disponível para o mercado tecnologias para preparo, secagem e armazenamento de grãos, desenvolvidas pela Universidade Federal de Viçosa – UFV, instituição co-fundadora e participante do Consórcio. São alternativas tecnológicas especialmente desenvolvidas para oferecer, a custos compatíveis, uma infraestrutura mínima para que, independentemente das condições climáticas, o cafeicultor possa produzir café de qualidade superior, com economia de tempo, redução de custos e mão de obra empregada e maior rendimento operacional. É composta por um terreiro-secador híbrido, abanadora, silo secador e lavador portátil. Para mais informações, acesse publicações em http://www.sapc.embrapa.br/index.php/circular-tecnica/ .
Também destacam-se o sensoriamento remoto e os sistemas de informação geográfica, usados em apoio à produção ou à qualidade do café para auxiliar na caracterização ambiental dos agroecossistemas cafeeiros e fornecer uma base eficiente para a análise integrada das informações e o entendimento das relações entre os sistemas de produção e o ambiente, incluindo simulação de prognósticos. Pela análise espacial, é possível delimitar territórios e identificar, por exemplo, os fatores que influenciam a qualidade dos cafés produzidos nessas regiões, informação imprescindível para a obtenção de Indicações Geográficas – IGs. Para conferir, acesse matéria em http://www.sapc.embrapa.br/index.php/ultimas-noticias/sai-selo-de-indicacao-de-procedencia-para-o-cafe-da-serra-da-mantiqueira. As geotecnologias são estudadas no âmbito do Consórcio pela Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais – Epamig, Embrapa Café Ufla, entre outras, e têm subsidiado o planejamento da atividade cafeeira visando competitividade e sustentabilidade da produção.
Requisitos e identificação – Segundo Borém, é possível encontrar várias definições para café especial, refletindo muitas vezes os efeitos da cultura, costumes e valores de cada povo, região ou país e estando associado ao prazer que a bebida proporciona. “O café especial é aquele que se distingue por uma característica peculiar ou grupo de atributos singulares, possuindo, portanto, uma especialidade ou especificidade na percepção de seus atributos sensoriais e de seu sistema de produção. O café pode ser especial por possuir sabor e aroma únicos e distintos do café comum, por ser produzido em sistema orgânico, ser de origem controlada ou até mesmo por ser raro e exótico”, explica. O professor esclarece que, mesmo sendo os aspectos sensoriais os mais relevantes na caracterização de um café especial, os atributos ambientais e sociais cada vez mais influenciam na caracterização do produto. “Nesse caso, como o atributo não é percebido sensorialmente, a diferenciação é obtida por meio de certificações de origem e uso de selos de garantia”, completa.
O café que chega à mesa do consumidor para ser considerado especial passa por um longo processo que começa nos aspectos genéticos, no sistema de produção e manejo da lavoura (plantio, boas práticas na lavoura e colheita), pelo processamento pós- colheita (secagem, armazenamento), rastreabilidade do produto, ainda pela fase de industrialização (torração, moagem, embalagem) e só termina na forma de preparo da bebida. Em resumo, para ser reconhecido como especial, o café deve ter atributos específicos associados ao produto (características físicas – como origens, variedades, cor e tamanho – e sensoriais, como qualidade da bebida), ao processo de produção ou ao serviço a ele associado (como as condições de trabalho da mão de obra), tendo como valores a sustentabilidade econômica, social e a ambiental. A especialidade ou especificidade da bebida é influenciada pela região em que é produzido o café, pelas condições climáticas durante a maturação e colheita, além dos cuidados nas fases de colheita e preparo do produto.
Nesse contexto, o café especial pode ser classificado, segundo a BSCA, nas seguintes categorias:
café de origem certificada – relacionado às regiões de origem dos plantios em decorrência de que alguns dos atributos de qualidade do produto são inerentes à região onde a planta é cultivada;
café gourmet – grãos de café arábica com peneira maior que 16 e de alta qualidade. É produto diferenciado, quase isento de defeitos;
café orgânico – é produzido sob as regras da agricultura orgânica. O café deve ser cultivado exclusivamente com fertilizantes orgânicos e o controle de pragas e doenças deve ser feito biologicamente. Apesar de ter mais valor comercial, para ser considerado como pertencente à classe dos cafés especiais, o orgânico deve possuir especificações qualitativas que agreguem valor e o fortaleçam no mercado;
café fair trade – consumido, em geral, em países desenvolvidos por clientela preocupada com as condições socioambientais em que o café é cultivado. O consumidor paga mais pelo café produzido por pequenos agricultores ou sistemas de produção sombreados, onde a cultura é associada à floresta. É muito empregado na produção de cafés especiais, pois favorece a preservação de espécies vegetais e animais nativos.
Potencial de crescimento – O café especial, pela melhoria da qualidade, tem tido crescimento do consumo no País e no exterior porque tem agradado mais os apreciadores da bebida. Parcela crescente da população, inclusive no Brasil, tem optado por esse produto diferenciado e a nossa indústria tem buscado atender esse consumidor mais exigente. “Marcas consolidadas no mercado de cafés ‘tradicionais’ já estão oferecendo cafés de origens brasileiras, de sabores e aromas superiores aos que tradicionalmente são oferecidos no mercado. O nicho dos especiais é o que mais cresce no Brasil e no mundo comparativamente ao mercado dos cafés comuns. Mesmo assim, a maior parte da produção de cafés especiais brasileiros ainda é exportada. Temos um grande caminho a percorrer para que os cafés especiais se consolidem no País”, informa Borém.
Mercado – Segundo dados da BSCA, a demanda pelos grãos especiais cresce em torno de 15% ao ano, principalmente no exterior, em relação ao crescimento de cerca de 2% do café commodity. O segmento representa hoje cerca de 12% do mercado internacional da bebida. O valor de venda atual para alguns cafés diferenciados tem um sobrepreço que varia entre 30% e 40% a mais do que o café cultivado de modo convencional. Em alguns casos, pode ultrapassar a barreira dos 100%. Os principais mercados consumidores dos cafés especiais brasileiros são, na ordem, Japão, Estados Unidos e União Europeia, havendo crescimento muito grande por parte da Coreia e Austrália. No que diz respeito ao consumo interno, das 20 milhões de sacas, estima-se que um milhão é de cafés especiais.
Consórcio Pesquisa Café – Congrega instituições de pesquisa, ensino e extensão localizadas nas principais regiões produtoras do País. Seu modelo de gestão incentiva a interação das instituições e a otimização de recursos humanos, físicos, financeiros e materiais. Foi criado por dez instituições: Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola – EBDA, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais – Epamig, Instituto Agronômico – IAC, Instituto Agronômico do Paraná – Iapar, Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural – Incaper, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa, Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro – Pesagro-Rio, Universidade Federal de Lavras – Ufla e Universidade Federal de Viçosa – UFV.
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